Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Programa "Dias do Desassossego" - 16 a 30 de Novembro - "Pessoa e Saramago nas ruas de Lisboa"

O cartaz e a programação prevista para os "Dias do Desassossego"





"José Saramago combate 'cegueira' com votos em branco" - Entrevista de Cassiano Elex Machado (Folha de São Paulo, 2004)

"José Saramago combate "cegueira" com votos em branco"
de Cassiano Elex Machado
Folha de São Paulo, em 22/03/2004

A entrevista pode ser recuperada e consultada aqui
em, http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u42623.shtml

Capa da edição da editora brasileira "Companhia das Letras"

Pode ser consultado aqui

"No seu universo literário sem interrogações ou exclamações, José Saramago imprime com freqüência uma mesma pontuação invisível: não vemos as coisas como elas são. É um arco que vai da cegueira "explícita" de "Ensaio sobre a Cegueira" até a visão viciada dos personagens de "A Caverna", que vivem apalpando as sombras da realidade.

De repente, é como se as criaturas do Nobel de Literatura tivessem por fim seus estalos. No seu novo romance, "Ensaio sobre a Lucidez" (seu 11º), que a Companhia das Letras lança nesta semana, o escritor português de 81 anos dá a rara chance de seus personagens de reagirem.

Na sua nova alegoria, Saramago arquiteta uma população que resolve votar quase toda em branco. Na capital de um país sem nome (no qual as pessoas igualmente nome não têm), 83% dos eleitores depositam seus votos na urna sem "xis" algum. Tal qual Gandhi, pai da resistência pacífica, "derrubam" o poder usando o branco.

A metáfora canina (mais uma) "uivemos, disse o cão", com suas quatro e compactas palavras, dá o tom do livro, como explica o próprio autor, em entrevista por e-mail à Folha de S.Paulo (que teve outros trechos publicados no sábado). Saiba a seguir por quê.

Folha de S.Paulo - De quem é a frase "Nascemos, e nesse momento é como se tivéssemos firmado um pacto para toda a vida, mas o dia pode chegar em que nos perguntemos: Quem assinou isto por mim"?
José Saramago - É minha. Ou não se pensa que eu seja capaz de produzir uma frase assim? E digo mais: essa frase resume todo o livro. Sem esquecer da epígrafe: "Uivemos, disse o cão". Os cães somos nós. É hora de começar a uivar.

Folha de S.Paulo - Por que, em um universo de sem-nomes, tem nome somente o cachorro que lambe as lágrimas dos outros? Por que é "imaterial" o cenário do romance?
Saramago - O cão viaja nos meus livros desde "Levantado do Chão", e o nome Constante que lhe dei é a homenagem de um humano a um canino. Sobre a "imaterialidade" do cenário, limito-me a dizer que a impressão sumiria se as personagens e as ruas tivessem nome, se tudo pudesse ser colocado em categorias. O leitor compreenderá que o que ali se passa tem a ver diretamente com ele, precisamente por parecer não ter nada a ver com o que quer que seja. Espero ter sido claro.

Folha de S.Paulo - Em palestra recente, o sr. criticou a falta de reflexão da nossa sociedade, que segue vivendo de espetáculos, de pães e circos. Qual a saída da "caverna"?
Saramago - Dizia que estamos a repetir o que Juvenal escreveu numa de suas sátiras, "Panem et Circenses", isto é, pão e divertimento, pão suficiente para que não protestemos demasiado e divertimento tanto e tanto que nos salte pela boca e pelos ouvidos. Provavelmente morreremos de uma indigestão de divertimento... Manipulados, desinformados, enganados, mas bestialmente divertidos.

Folha de S.Paulo - O sr. já havia falado em uma "trilogia involuntária", ao se referir à relação de "A Caverna" com os dois livros anteriores. Com "Ensaio" o sr. chega a uma "tetralogia involuntária"?
Saramago - A trilogia começou por ser involuntária, isto é, não pensada antes. Também não se tornou voluntária, no sentido de corresponder a algo deliberado e planificado. As ideias surgem quando surgem, valem o que valem, e os livros vão aparecendo. Há um nexo entre eles, evidentemente, mas recuso-me a usar palavras como trilogia, tetralogia ou pentalogia... A expressão caiu no gosto dos jornalistas, por isso voltam sempre a referi-la. Deixemo-la, não merece tanto.

Folha de S.Paulo - Em livros como "Todos os Nomes", o sr. já relatou o processo de uma investigação. Na "segunda parte" de "Ensaio sobre a Lucidez", porém, essa busca se aproxima dos contornos da clássica literatura policial. Como o sr. se sentiu ao fazer essa incursão ao quase policial?
Saramago - Não se tratou propriamente de uma incursão ao policial. Sendo a história o que é, havendo um governo com a sua autoridade e as suas polícias, havendo uma insurreição cívica, era natural que o desenvolvimento fosse por aí. Mas não é policial tudo o que o parece. É policial "Crime e Castigo", de Dostoiévski?

Folha de S.Paulo - Como anda seu projeto de "policial" sobre Alexandre Dumas?
Saramago - Dentro de algumas semanas regressarei ao projeto.

Folha de S.Paulo - Por que o sr. já disse que "Ensaio..." é o seu testamento?
Saramago - Não penso em morrer nestes próximos dias. Se chamei testamento ao "Ensaio sobre a Lucidez" foi por nele ter escrito algumas coisas que nunca havia dito antes. Quando terminei o "Ensaio sobre a Cegueira" também me recordo de dizer: "Agora já posso morrer". Como se vê, não morri. Ainda."

ENSAIO SOBRE A LUCIDEZ
Autor: José Saramago
Editora: Companhia das Letras

Terceiro Centenário da Colocação da Primeira Pedra do Convento de Mafra e o Memorial do Convento como exepcional obra de divulgação

Memorial do Convento - 1982
Via página da Fundação José Saramago, aqui

«Um romance histórico inovador. Personagem principal, o Convento de Mafra. O escritor aparta-se da descrição engessada, privilegiando a caracterização de uma época. Segue o estilo: “Era uma vez um rei que fez promessas de levantar um convento em Mafra… Era uma vez a gente que construiu esse convento… Era uma vez um soldado maneta e uma mulher que tinha poderes… Era uma vez um padre que queria voar e morreu doido”. Tudo, “era uma vez…”. Logo a começar por “D. João, quinto do nome na tabela real, irá esta noite ao quarto de sua mulher, D. Maria Ana Josefa, que chegou há mais de dois anos da Áustria para dar infantes à coroa portuguesa a até hoje ainda não emprenhou (…). Depois, a sobressair, essa espantosa personagem, Blimunda, ao encontro de Baltasar. Milhares de léguas andou Blimundo, e o romance correu mundo, na escrita e na ópera (numa adaptação do compositor italiano Azio Corghi). Para a nossa memória ficam essas duas personagens inesquecíveis, um Sete Sóis e o outro Sete Luas, a passearem o seu amor pelo Portugal violento e inquisitorial dos tristes tempos do rei D. João V.» 
(Diário de Notícias, 9 de outubro de 1998)


José Saramago em diversos momentos junto ao Palácio Nacional de Mafra,
que serviu de inspiração para a sua obra


A arte de José Santa-Bárbara, aqui Baltasar Sete Sóis e Blimunda Sete Luas
Do catálogo da exposição "Vontades Uma leitura de Memorial do Convento"

Cartaz alusivo à comemoração

Pode ser consultada informação sobre o assunto, aqui

"Terceiro Centenário da Colocação da Primeira Pedra do Convento de Mafra."

"Estamos perante o monumento português que melhor reflecte o que podemos chamar de Obra de Arte Total: arquitectura, escultura, pintura, música, livros, têxteis… enfim, um património tipologicamente diversificado, coerentemente pensado e criteriosamente encomendado para este Palácio/Convento/Basílica/Tapada e que aqui configura uma realidade única.

Com efeito, numa área com cerca de 40.000 m2, temos implantado um notável projecto de arquitectura que foi executado sem hiatos nem soluções de remedeio. De facto, aqui tudo é marcado por uma marca de qualidade que só a generosidade joanina podia e sabia exigir: excelência de materiais, soluções arrojadas e requinte de execução.

A Arquitectura modela funcionalidades ligadas por quilómetros de corredores e mais de 150 escadarias. A Engenharia perpassa por todo o monumento, desde o zimbório aos subterrâneos. Para Mafra, escolheram-se os melhores e escolheu-se do melhor: Ludovice e Custódio Vieira na arquitectura, Trevisani e André Gonçalves na pintura, Wolkmar Machado e Domingos Sequeira na pintura mural, Monaldi e Machado de Castro na escultura, Witlockx e Levache nos carrilhões, são alguns daqueles que contribuíram para configurar este património.

Quando visitamos este monumento sentimos que é uma experiência diferente. Diferente porque as singularidades que aqui são vivenciáveis não têm paralelo em qualquer outro sítio: um complexo Hospitalar do século XVIII, dois Carrilhões monumentais do século XVIII, um conjunto (único) de Seis Órgãos de tubos e uma das que por muitos é considerada como sendo a mais bonita Biblioteca histórica do mundo configuram este património que, na sua génese, é um Palácio do Rei, um Palácio da Rainha, um Convento franciscano, uma Basílica e uma Tapada."